18 junho 2010
Saramago: morre um homem, fica a OBRA.
De que serve , nas nuvens da intelectualidade, da hipocrisia e do bajulamento, andarmos agora a elogiar e a homenagear um homem cujas ideias não as queremos para nada?
“ Neste meio século não parece que os governos tenham feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que moralmente estavam obrigados. As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante.
Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem. Ou porque não lho permitem aquelas que efectivamente governam o mundo, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da democracia. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos que somos. Pensamos que nenhuns direitos humanos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem e que não é de esperar que os governos façam nos próximos 50 anos o que não fizeram nestes que comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra. Com a mesma veemência com que reivindicamos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa tornar-se um pouco melhor.”
Parte do Discurso lido por José Saramago, quando recebeu o Prémio Nobel.
Na Foto: Terra preparada para semear.
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5 comentários:
Calou-se uma das vozes mais lúcidas deste país.
Ficou a sua obra para nos recordar que ainda há ainda muito para fazer!
Bom fim de semana
Um abraço
Fê
Alguns dos que o criticaram e nunca leram uma linha que tenha escrito estão hoje na primeira linha com um ar muito pesaroso nas cerimónias oficiais...
Mudam-se os tempos mudam-se as posturas!
Manjedoura, lá vou eu de novo responder a um post teu, respondendo a um comentário de outro leitor:
Rosa dos Ventos,
eu sou das que nunca leram nenhuma linha, pelo menos nenhum livro. Mas sempre admirei o homem, mais que o escritor - e esta parte precisamente pelo desconhecimento da sua obra - a sua coragem e ousadia. A sabedoria e a visão de ir mais além das palavras bonitas e politicamente correctas, como prova este trecho publicado neste post. Não estive na linha na frente de máquina fotográfica em punho, nem verti lágrimas de crocodilo, mas homenageei o poeta e o homem, incluindo as polémicas que tantos incomodaram e que tão bem o demonstraram com a sua ausência nas cerimónias oficiais.
Beijinho .)
Nunca li nada do senhor, não gostava da sua postura. Não posso opinar. Leio outros autores. Mas não lhe tiro o mérito e o que tentou fazer ver aos nossos governos. Que descanse em paz.
Diverti-me imenso a ler o Memorial do Convento, adorei a ironia do clero e como sabia o Sr. Saramago de tantos pormenores...
Amei os seus livros (os que li até agora) e quem diz que é dificil, por não fazer pontuação é porque não tem o hábito de ler.
Calou-se uma voz que tinha por hábito dizer frontalmente a sua opinião e o que sentia na alma.
MFCC
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