11 novembro 2010

Há 139 anos

"O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os carácteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Toda a vida espiritual, intelectual, parada. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce. As falências sucedem-se. O pequeno comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário diminui. A renda também diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. Neste salve-se quem puder a burguesia? explora. A ignorância pesa sobre o povo como uma fatalidade. A intriga política alastra-se. O país vive numa sonolência enfastiada."

in As Farpas de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, 1871

5 comentários:

Fernando Freitas disse...

Isto é como aquele antigo anúncio do brandy Constantino: "a fama vem de longe".

Bella disse...

Tão antigo e tão actual. Mudam-se os tempos mas não se mudam as vontades...

Janita disse...

Tens a certeza que isto foi escrito há 139 anos atrás??

Quem diria que tanta evolução e progresso nos iria levar de volta ao passado!! Senão repara...

"As falências sucedem-se. (( a diferença é que agora se chamam insolvências)).

"O pequeno comércio definha.((igual))

"A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável."

(( bandearam-se para os países de Leste, na procura de mão-de-obra mais barata))

"O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão..."

(( Orçamento de Estado para 2011))

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Fê blue bird disse...

Quando Eça e Ramalho continuam actuais, só prova que estamos estagnados desde essa época.

Beijinhos e bom fim de semana

Filipe Campos Melo disse...

Dizem que a vida são ciclos em retorno.

Abraço